Duas médicas conversando na cantina do hospital.
- Promete que fica só entre a gente?
- Lógico. Prometo, em nome da ética médica.
- Então tá. É que... estou tendo um caso clínico.
- Jura? Alguém da área?
- Ahã. Olha só essa radiografia que a gente tirou no último fim de semana prolongado.
- Nossa, que pulmões. E a faringe, então... Esse pomo de adão, tão proeminente. Que sorte a sua hein, colega. Isso aqui é objeto de estudo pra um simpósio internacional. Merece abordagem multidisciplinar.
- Quando olhei aqueles globos oculares, sem nenhum grauzinho de miopia ou astigmatismo, quase tive uma síncope. Foi adrenalina na veia. Observe essa ressonância magnética. Fala a verdade: que omoplata! Dá pra ficar assintomática? Você sabe que quadros dessa natureza provocam desde espasmos involuntários até a perda momentânea da consciência.
- É, ele é muito parassimpático.
- Parassimpático? Aquilo é uma aula de anatomia. Desequilibra o nível de estrógeno de qualquer mulher.
- E aí, conta. Partiu pra um exame mais detalhado? Na sua residência médica ou na dele? Conta, conta.
- Fiquei anestesiada. Quando dei por mim, já estávamos na maca.
- Nossa, assim na primeira consulta?
- Pra você ver. Confesso que no começo foi difícil me manter estável. A pressão chegava a 25 por 13, o coração a 140 por minuto.
- E daí pra frente? Qual a posologia?
- No mínimo três vezes ao dia.
- E nada de repouso absoluto?
- Nadinha, menina. Uma febre que não passava. Depois os sintomas foram desaparecendo, e toda aquela convulsão amorosa evoluiu para uma forte letargia. Parecia uma espécie de maleita, com freqüentes episódios de apnéia.
- É, já vi relatos semelhantes. E aí, deixou de apresentar sinais vitais?
- Falência múltipla. Estado terminal, com pouquíssimas chances de reversão.
- Seja paciente. Tem retorno marcado?
- O pior é que não. Ele me usou, como se eu fosse um convênio, um SUS qualquer. Não vou me conformar em ser mais uma na história clínica dele.
- Não estressa, não. E se por acaso ele agendar um horário, faz um charme. Dá uma de difícil, deixa o bonitinho na sala de espera. Como eu fiz com aquele judoca tarja preta, que me causava dependência. Eu sei como são essas coisas. Precisando de um ombro amigo, estou aqui de plantão.
- Valeu, obrigada mesmo.
- Só me promete uma coisa.
- Fala.
- Se der enjôo, manda ele pro meu consultório. É sempre bom uma segunda opinião...
- Sua Hipócrates!