Eis que de novo me deparo com a nada consoladora ideia de que o sistema solar é espantosamente semelhante a uma estrutura atômica, e que a diferença não passa de uma questão de proporção e de velocidade. E se a Terra for um dos elétrons de um dos milhões de átomos de uma ponta de lápis sobre a mesa de um escritório, numa outra e gigantesca Terra?
Largo Newtons, Galileus e Sócrates deitando postulados pelos cotovelos e me agarro ao manto de Abraão e ao cajado de Moisés, no pasto verde das verdades simples. Ovelha, deixo que me conduzam por dogmas que se bastam, convertido ao fato de que existem mesmo as moradas celestes, onde nem traça ou ferrugem, epidemias ou bandidos roubariam o sossego dos descendentes de Adão. Onde, indefinidamente vivos, habitaremos gratos. Cada família em sua casa de grossas paredes fincadas no éter. Mansões onde, após banquetes generosos, tem-se o sagrado direito à sobremesa predileta, que por também ser eterna se reconstituiria a cada mordida, para a glória das gulas.
Pais e mães tomando perpetuamente conta de seus rebentos, com muitas rugas a menos por saberem que suas crianças serão poupadas no juízo final, mesmo porque o juízo final não será tão final assim. A vida se espreguiçando infinito afora, o beijo mais sorvido se alongando até a exaustão, se exaustão houvesse no mundo lá de cima. Todos volitando com trechos de salmos impressos nas túnicas, Beethoven escorregando num tobogã clave de fá, nenhum passarinho preso, sinos aos montes dobrando e marcando a hora de lembrar que nunca é tarde.
Tempo e espaço se liquefazendo, Van Gogh de velocípede a ziguezaguear por latifúndios de girassóis. Cada um se lambuzando de sua Pasárgada privativa, desobedecendo zombeteiramente as recomendações médicas, sem noção de comedimento e sensatez, metendo os pés pelas mãos, fazendo tudo o que faltou ser feito quando envolto pela carne. Se convencer de que a Terra é plana, de que aconteceu o dilúvio, de que tudo foi criado em exatos 6 dias, sem nenhuma hora extra ou percalço que desanimasse o Maioral. Ter a confiança dos que se sabem amparados, e saltam sem se preocupar se o paraquedas vai abrir.