Falta de criatividade pode não significar ausência de dom ou talento para a coisa. Pode ser simplesmente desconhecimento de técnica. Às voltas diariamente com o dilema criativo, por questões profissionais, acabei caindo recentemente num site muito interessante sobre estratégias mentais.
Uma das técnicas apresentadas me chamou a atenção: a “random word”, também chamada de estímulo aleatório. Resumindo, a coisa consiste em juntar uma palavra relacionada com o problema a ser solucionado a outra escolhida absolutamente ao acaso. A partir daí, a idéia é anotar as associações produzidas por essa junção, gerando assim soluções e perspectivas novas. É como eles dizem lá no site: “o segredo é não ficar esperando a maçã cair, mas chacoalhar a macieira”.
Resolvi seguir o conselho. E cruzei “inspiração”, que era a minha angústia no momento, com a primeira palavra tirada a esmo do dicionário. Fechei os olhos, abri o Aurélio numa página qualquer, corri o dedo por ela e parei: “brotoeja”. Caramba, brotoeja... Tudo bem que a coisa toda é aleatória, mas não tinha nada melhor pra me aparecer, não?! O acaso poderia ter sido mais camarada.
Tentei de novo. Apareceu a palavra “empada”. Pra achar alguma liga entre empada e inspiração, seria preciso estar mesmo muito inspirado. E se fosse esse o caso, eu não estaria ali, botando em prática a tal da técnica...
Ainda assim fui em frente. Caí no termo “tubo”. Relacionando inspiração a tubo fui parar numa Unidade de Terapia Intensiva, com um paciente inspirando pelo tubo de oxigênio. Bom, mas e daí? Juntei isso à associação anterior e vislumbrei um início de história: um sujeito comeu uma empada estragada, que provocou uma reação alérgica em forma de brotoejas, que o levou ao hospital. Não, não. Sem chance de ir pra frente com isso. E pensei comigo mesmo: se a questão é estímulo aleatório, eu não precisaria necessariamente me prender ao dicionário. Pronto, achei em quem botar a culpa: os escassos estímulos do pai dos burros estavam tolhendo meu incomensurável potencial criativo. Bastava que eu olhasse à minha volta, ligasse a TV, fizesse uma caminhada e deixasse fluir os múltiplos cruzamentos que me passassem pela cabeça. Genial!!
Optei pela caminhada. Coloquei short e tênis e me pus em marcha acelerada, prestando atenção em tudo o que me aparecesse pela frente. Olhando para o asfalto, vi uma pequena rachadura. Esta me levou, por um paralelo megalômano, às fendas do Grand Canyon, que por associação geográfica me trouxeram à mente os famosos letreiros da palavra Hollywood, em Los Angeles. Daí foi um pulo pra me lembrar da marca de cigarros. Que trouxe à lembrança a querida vovó Chiquinha, que nos áureos tempos de fumante inveterada chegava a consumir dois maços de Hollywood por dia. Da vovó aos bombons de cereja Prink, que ela adorava e escondia dos netos no fundo do guarda-roupa. Do guarda-roupa ao Mistério de Irma Vap, onde o Marco Nanini e o Ney Latorraca trocavam de indumentária dezenas de vezes a cada apresentação. Do teatro à cortina, da cortina ao pano, do pano ao tear. Tear me lembrou Tears, lágrimas em inglês. Pára, pára, pára. Interrompi a caminhada e o raciocínio. Comparei a última idéia ao ponto de partida e não vi nada que se assemelhasse a um estalo redentor. Decidi voltar pra casa.
O fato é que, com essa história toda, cheguei até os quase 3000 caracteres que precisava pra completar minha coluna. E se você chegou até o fim deste texto, é sinal de que minha viagem pela aleatoriedade não foi totalmente em vão. Ou foi?