Monday, April 10, 2006

LÚCIA FOI PARA O CÉU

Era uma vez a recatada Lúcia, que farta de tudo abandonou o jogo. E após lançar-se de um penhasco próximo, deu consigo a flutuar e a atravessar paredes. Livre do carne e da gravidade, vestiu-se de luz e pôs-se a vagalumear calma e displicentemente. A chave do tempo nas mãos, todo o espaço de outros mundos a percorrer como quisesse. Via-se agora como sonhava ver-se, intercambiando entre as várias Lúcias dos dias felizes. Via-se Láctea universo afora. Via-se as muitas que fora outrora. Mamava sôfrega o leite da mãe, pulava sela e batia cara contando até cem – lá vou eu!

E lá foi a Lúcia. Já foi tarde da imundície desses dias mutilantes. Um bilhete só de ida com destino a never more. Ao entrar no vagão do itinerário eterno, pegou uma janelinha na poltrona nove. Desceu na estação seguinte, onde topou com a Lúcia em seu vestido verde de babados brancos. Recém-entrada nos dezesseis, recende a sândalo e odor de fêmea. Lúcia olhando Lúcia, encontram-se finalmente, estranham-se mutuamente.

Embarque para Saturno na plataforma 2. Lúcia cósmica cintila, enlaçada em seus anéis. Alianças várias, de formatura, de noivado e casamento. Aceita, Lúcia, esse sujeito como esposo? Pode ser que sim, pode ser que não. Provavelmente talvez. Núpcias de Lúcia. Gastando a vida em meio a trapos, afazeres e panelas de pressão. Faz as unhas, tinge o cabelo, fuma, ganha filhos e olheiras. Os dias voaram, os meses voaram, os anos voaram e Lúcia também. É, agora Lúcia voa para onde bem entender. A senhora Lúcia, senhora de si.