Friday, February 10, 2006

A FALTA QUE O CELULAR NÃO FAZ

Verdade seja dita, logo de cara: felizes os que não usam telefone celular. São poucos, e dentre eles eu racionalmente me incluo, graças a Deus. Pelo menos por enquanto. Sei que mais cedo ou mais tarde serei obrigado a me render, já que é para ele que aponta a chamada convergência das mídias – voz, MP3, câmera digital, TV, internet e sabe-se lá o que mais. Mas quero adiar esse dia o máximo possível.

Que paranóia insensata essa de estar ligado 24 horas, de prontidão, encontrável e acessível custe o que custar. Prefiro ser eremita, ter paradeiro desconhecido dentro dessa estranha teia de seres chipados. Os dependentes da maquininha costumam dizer: "como eu conseguia viver sem isso?". Ao que eu respondo: como é possível viver com isso?

Quando o celular toca, nunca é aquele cara dizendo que vai pagar a grana que está te devendo. Jamais é aquele amor platônico que, cansado de esperar sua declaração, resolveu tomar a iniciativa. Tampouco é aquela pessoa querida que, desinteressadamente, quer apenas saber como é que você está, se precisa de alguma coisa. Sempre é um chato de galocha te cobrando um trabalho, lembrando prazos e urgências, querendo a mãozinha que você ficou de dar.

Lembro bem dos primeiros modelos. Uma rapadura de meio quilo, que quando em funcionamento parecia uma maquete da pista de dança dos "Embalos de Sábado à noite", com uma luz verde-limão brilhando forte no teclado. Alguns lembravam o telefone-sapato do Agente 86.

Mimo dos abastados, quando surgiu o celular era preso ao cinto, de maneira que ficasse bem à mostra. Como um abcesso exposto de propósito. Era um tal de empinar pra frente a barriga, deixar o paletó aberto, só pra expor a novidade. E o cidadão, ao atender a chamada, nunca ficava quieto. Fazia questão de andar de um lado pro outro, como que frisando o fato do telefone ser móvel. Morram de inveja, pobres de uma figa.

Já hoje acontece o contrário. A rapadura se reduziu a porta-jóias. O recém-celulado faz de tudo pra mostrar a todo mundo o quanto o modelo dele não chama a atenção. Ganha a guerrinha de vaidades quem, a olhos vistos, deixar o seu celular imperceptível.

Dentro desta nova classe de maquininhas que primam pela discrição, destacam-se as que vibram ao invés de tocar. Há poucas semanas conversava com um amigo, num restaurante. Ele foi ao toalete e o seu celular com vibra-call deu sinal de vida. Começou a tremer e a se mover feito uma barata tonta pela mesa, como se estivesse em transe mediúnico. Se não sou eu a barrar sua desnorteada trajetória, ele teria se espatifado (para minha íntima satisfação).

Ai de quem se fiar na autonomia que um telefone celular teoricamente oferece. A despeito da proibição, quase todo mundo o utiliza em trânsito. O usuário está rodando por uma estrada com a coisa na orelha, passa por uma montanha ou uma baixada na pista e é o que basta: já não escuta mais nada, e nada do que ele disser será ouvido. Anda mais um tanto e sai fora da área de cobertura. Além disso tem que falar pouco, se não a bateria acaba. Chegando em casa, o procedimento número 1 é dar mamadeira pro bichinho, ligando o carregador na tomada e o dito cujo no carregador. Se for pré-pago, dá-lhe crédito. Aí sim, está pronto pra ficar de novo ligadinho, a postos para o próximo sobressalto.

O pior é quem tem celular e usa como se fosse telefone fixo. Além de não aproveitar a portabilidade, que é o diferencial do negócio, ainda dá trabalho para os outros.
- Alô, celular do Toninho. Só que não é o Toninho, é o Celso.
- Ô, Toninho. Sou eu, rapaz. Agora deu pra fingir que não é você, é?
- Não, aqui não é o Toninho mesmo, é o amigo dele. Eu só atendi o celular. O Toninho precisou dar uma saída.
- Mas ele não levou o celular?
- Não. Se tivesse levado ele tinha atendido, né. É um problema, quando ele sai sempre esquece o celular aqui na mesa.
- Ah, então por favor, anota o meu telefone e pede pra ele ligar pra mim, pode ser?

E lá vai o trouxa servir de moleque de recado. Fora tudo isso, tem também os ringtones. Chatíssimos, muitos de extremo mau gosto, que imitam espirros, orgasmos femininos e até respiradores de UTI. Outra aporrinhação é o efeito picotado – aquelas perdas de sinal no meio da fala do indivíduo, deixando a mensagem incompreensível. Acrescente os controversos efeitos da radiação e, no meu caso específico, o fato de morar a 50 metros de uma antena de celular – sem alvará de funcionamento e frontalmente em desacordo com a lesgislação de telefonia móvel vigente em Campinas. Deu pra entender agora? Alô? Tá me ouvindo??