Sunday, August 27, 2006

JUNTE-SE A NÓS!

Chega de candidatos de ocasião, que dão as caras agora e que, findo o pleito, escafedem-se como ninjas em filmes de kung fu. Basta de aproveitadores com sua verborragia inflamada e estéril. Cheios de programas vazios, esses embusteiros se apresentam no vídeo com a mão espalmada, apregoando as cinco manjadas prioridades de governo: saúde, habitação, emprego, transporte e segurança. Quero fazer frente a esse engodo que caçoa da boa-fé do eleitor, e para tanto apresento propostas concretas.

Darei combate sem trégua àqueles que são contrários ao nepotismo saudável e desinteresseiro, ao cartorialismo firme e atuante, à legítima barganha de cargos públicos em todos os escalões, ao voto de cabresto a peso de mortadela e ao assistencialismo de fachada.

Atendendo a uma antiga reivindicação da sociedade organizada, azeitarei a máquina administrativa para que funcione a contento. Confiante em minha vitória nas eleições que se avizinham, já deliberei à minha futura equipe de assessores uma tomada de preços para importação do óleo de oliva da marca Gallo (com o perdão do cacófato), extra virgem, em caixas contendo 120 latas de 500 ml. Havendo excedente, o azeite será utilizado para regar as pizzas de minha legislatura, que sem dúvida serão muitas e de sortidos recheios.

O eleitorado da terceira idade terá acesso a um novo modelo de prótese, composto por arcadas lisas e inteiriças, ou seja, sem as repartições a que chamamos “dentes”. Uma peça é afixada no maxilar superior e outra no maxilar inferior. O efeito estético é avassalador, assemelhando-se ao que se vê na maioria dos personagens de desenhos animados. Além de facilitar sobremaneira a higiene bucal do idoso, essa revolução protética dispensa o uso de fio dental, desonerando assim os cofres públicos da compra deste item para os asilos. A fôrma do novo artefato já está pronta e o produto chegará aos postos de saúde em 3 tamanhos, dependendo da dimensão da boca do ancião: boca pequena (para velhinhos fofoqueiros), média e extra grande, comercialmente chamada de “Lobo Mau” ou “Cicarelli”.

Implantação do “Halloween Tupiniquim” no calendário de festividades, com o objetivo de manter vivas nossas mais ricas tradições folclóricas. Com ele, diremos não ao imperialismo americano e suas bruxinhas babacas, marshmellows de variadas cores e cabeças de abóbora iluminadas. Os monstros ianques darão lugar ao Boi da Cara Preta, ao Saci, à Cuca, ao Boitatá e ao Chupa-Cabra. A gurizada, por sua vez, passará pelas casas à cata de doces típicos da nossa culinária, como o quebra-queixo, a pamonha e o pé-de-moleque.

Incentivos fiscais para pequenas produtores de mandruvá em cativeiro, projeto que acalento desde os tempos de vereança. Devo lembrar aos eleitores que a indolente lagarta, abundante em nossa região, tem eficácia comprovada na erradicação do escorbuto e de outras hipovitaminoses que assolam as populações desassistidas, especialmente as comunidades ribeirinhas.

Programa “Espana, Brasil!”, que prevê a produção de espanadores com pena de codorninha do mato. Toda a produção será escoada para acabar com o pó de países vizinhos, como a Bolívia e a Colômbia.

Se suas aspirações encontram eco em nossa plataforma de governo, junte-se a nós. Empunhe nossa bandeira, leve no peito nosso botom, convença seu vizinho ou colega de trabalho de que a nossa causa é a causa de todos. À vitória, companheiros!

Observação do autor: esta é uma obra de ficção. Ou não... decida com seu voto.

Wednesday, August 23, 2006

DOMINGO DE 71

No ar, Flávio Cavalcanti.

Ele era da época. Do Flávio da primeira temporada, aquele da TV Tupi e em preto e branco, transmitido ao vivo no domingo à noite e com a Márcia de Windsor, o Erlon Chaves e o Sérgio Bittencourt no júri. Sentado na espreguiçadeira, assistia ao programa tomando Coca-Cola e comendo sanduíche de pão Pullman (pão de forma só tinha o Pullman) com patê Bordon e salsichas do Frigor Eder. Pra comprar a Coca precisava levar o vasilhame, que alguns chamavam de casco. O empório vendia banha por quilo, azeitona a granel, galocha, fluido de isqueiro e tinha uma Filizola, daquelas de regular o peso manualmente. Ficava a duas quadras de casa – a velha casa de grade baixinha e Coroas-de-Cristo no jardim. Mas mesmo assim ia de carro quando precisava de alguma coisa, um Opala último tipo, branco e de capota preta, com alavanca de câmbio na direção.

Precisava dormir mais cedo, ficou de segunda-época e nem havia decidido ainda se ia prestar Cecem, Cecea ou Mapofei quando terminasse o Científico. Na véspera, a brincadeira dançante. Abafou com o plataforma novo e a calça Far-West. Cuba libre e hi-fi a rodo, os pais da Ju tinham viajado pro litoral. Uma hippie bonitinha, com uma bata de anarruga, dando bola para ele a noite toda. Lá pelas tantas, o vizinho chamou o guarda-noturno que acionou a rádio-patrulha porque a vitrola estava com o volume muito alto.

Nossos comerciais, por favor. Ele estala os dedos e a câmera dá um zoom na mão.
O Flávio de smoking em seu púlpito, pondo e tirando os óculos de armação grossa, num cacoete irritante. Igual ao outro cara do júri, o tal do Clécius Ribeiro. Dizendo o que presta e o que não presta, com o dedo em riste, quebrando disco do Caetano e jogando no lixo, criando suspense, fazendo caras e bocas, promovendo a moral e os bons costumes, entrevistando viajantes de discos voadores.

Mamãe entra na sala.
- Esse maldito pequinês me arranha todo o sinteko. Vou ter que passar a enceradeira de novo. O cabelo armado de laquê e as anáguas à mostra enquanto se curva para recolher as bitucas de Minister do cinzeiro de cristal. Vai pra cozinha e volta pra pegar o prato com os farelos de pão e o copo vazio, enquanto o cuco anuncia 9 horas.

- Ai que horror esse homem metendo medo na gente. Deviam colocar novela no lugar dele. Domingo também podia ser dia de novela – ela dizia, arrumando o chumaço de bom-bril na antena da TV. Volta pra cozinha.

Tem comercial demais. Flávio é líder de audiência.
A pulguinha dançando iê-iê-iê, o pernilongo mordendo o meu nenê. Varig, Varig, Varig. Cinta modeladora Esbelt. Mappin, abre às oito, Mappin. Groselha vitaminada Milani, é uma delícia no lanche...

Um fusca tala larga, amarelo-gema, passa cantando pneu. Nessa velocidade, vai se arrebentar quando passar na tartaruga ou parar no sinaleiro.

Papai deixou o monóculo com a lembrança da viagem a Araxá em cima da lata de Duchen recheada de morango. O pequinês vem chegando, barulho das patinhas no assoalho do apartamento. Tomou banho hoje, cheira a talco e creolina.

Voltamos a apresentar... Flávio Cavalcanti.

Sunday, August 13, 2006

FESTA DE INTEGRAÇÃO CRIANÇA-EMPRESA

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de Assuntos Sociais

Ref: Festa de Integração Criança-Empresa

Senhores,
Com relação ao assunto supra-citado, é imperioso frisar que temos apenas 3 meses e 22 dias para definirmos um plano estratégico de ações. Pela complexidade do tema, estamos correndo contra o tempo. Sugiro uma reunião de nossas diretorias para que possamos estabelecer metas conjuntas e criarmos uma comissão executiva, cuja incumbência envolverá os múltiplos aspectos a serem providenciados – do perfil psico-social do homem do algodão doce aos testes de elasticidade e resistência das bexigas.

De: Coordenadoria de Assuntos Sociais
Para: Diretoria de Recursos Humanos

Perfeitamente, senhor Diretor. Como start do projeto, já temos um croqui enviado por nossa agência de eventos, para ambientação do salão de festas. A nosso ver, é imprescindível uma correção na quantidade de purpurina nas sobrancelhas da Pequena Sereia. No processo licitatório o fornecedor escolhido foi a Purpur-Show, que deverá nos entregar a matéria-prima em tempo hábil para competente aprovação final. Caso contrário chamaremos em caráter de urgência a Mega Brilho Purpurinas – dessa vez sem licitação, por demonstrar notória competência e especialização naquilo que faz. Devo lembrar ao senhor que a Cinderela de isopor da festa de 1997 teve os olhos e o lábio inferior ornados por eles, e até hoje se comenta do furor causado pelo artefato entre os pequenos.

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de Assuntos Sociais

Tivemos, na confraternização do ano passado, um sem número de reclamações de esposas de colaboradores, argumentando que nos recheios das coxinhas predominava a sobrecoxa, quando historicamente utilizamos o peito desossado. Alguns relatos dão conta de resquícios de moela, o que é ainda mais inadmissível. Fiquem atentos a isso, por obséquio.

De: Coordenadoria de Assuntos Sociais
Para: Diretoria de Recursos Humanos

Informamos que o responsável pelas coxinhas com frango de segunda está devidamente frito. Ainda para conhecimento dos envolvidos, encaminho a síntese da apresentação em power-point do item 6, sub-item 9, que trata do recheio do bolo.

. Primeira camada: leite condensado com ameixa.
. Segunda camada: chantily com morango e cerejas ao licor.
. Terceira camada: massa folhada com creme amarelo do tipo bomba de padaria.
. Quarta camada: a ser definida após consenso entre as nossas diretorias, que nas últimas reuniões vêm divergindo a respeito da matéria. Para que não haja comprometimento do nosso follow-up, uma vez que estamos a apenas 1 mês e 29 dias para o fechamento do escopo estratégico de ações, e em permanecendo o impasse, sugiro que uma instância independente delibere sobre o assunto, sendo sua decisão soberana e irrecorrível.

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de Assuntos Sociais

Deliberação do dia: garfinhos de madeira de 2 dentes X garfinhos de plástico de 3 dentes.
Fizemos a tomada de preços e constamos que o custo da primeira opção é significativamente menor que o da segunda. Contudo, é forçoso admitir que os garfinhos de dois dentes têm menor desempenho de contenção do bocado alimentar – estudos demonstram que há uma perda de bolo maior no trajeto compreendido entre o pratinho de festa e a boca do conviva. Além do desperdício de bolo em si, teremos ainda um maior acúmulo de resíduos gordurosos no chão, que ocasionarão escorregões e tombos, que significarão fraturas e arranhões, que trarão ônus para o ambulatório da empresa.

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de assuntos sociais

De fato. A Diretoria, com o aval da CIPA, delibera pela compra dos garfinhos de três dentes, do fornecedor Algazarra – Artigos para Festas Ltda. Contudo, há uma pendência a ser equacionada, já elencada na pauta da reunião de quinta próxima: o bexigão-surpresa, cujo estouro e conseqüente avalanche de miudezas infantis é o ponto alto da festa. Urge que a Coordenadoria de Assuntos Sociais saia a campo para uma pesquisa em profundidade junto ao público-alvo para sabermos se adquirimos ou não os mesmos produtos dos anos anteriores e respectivas marcas, a saber: chiclés de bola, balas de goma, cornetinhas, apitos, línguas de sogra, aneizinhos e ioiôs.

De: Coordenadoria para assuntos sociais
Para: Diretoria de Recursos Humanos

A pesquisa citada em seu último memo já está em andamento. Publicamos também um edital de concorrência para aquisição de talco antialérgico (10 latas de 1kg), a ser acrescentado junto aos demais brinquedinhos no enchimento do citado bexigão, para maior efeito cênico quando do seu estouro. Todos hão de recordar o caso do petiz de tenra idade, que numa das últimas edições da festa quase veio a óbito, por inalar talco não-antialérgico contido no bexigão da época.

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de Assuntos Sociais

Ótimo, muito bem lembrado. A pró-atividade demonstrada por sua equipe sinaliza preparo para os desafios de um cenário econômico globalizado e de um mercado cada dia mais competitivo. Mas o profissionalismo está nos detalhes, e em dois deles os senhores pecaram:
1.
Há muito tempo as Marias-Moles não estão mais entre os sonhos de consumo de nosso público.

2.
Os guarda-chuvinhas de chocolate, marca Ploft, lote 153-06, não atendem às normas de segurança do INMETRO.

De: Coordenadoria de Assuntos Sociais
Para: Diretoria de Recursos Humanos

Tenham os senhores a certeza de que as mencionadas falhas serão sanadas. A seguir, as sugestões do nosso departamento para os presentes dos guris:

Filhos de operários: jogo do mico
Filhos de encarregados: resta-um, pega-vareta e dominó
Filhos de supervisores de produção: dama, xadrez, trilha e ludo
Filhos de chefes: bonecas que falam e carrinhos com rádio-controle
Filhos de gerentes: bicicletas e ursões de pelúcia
Filho do Diretor de Recursos Humanos: Playstation 3

De: Diretoria de Recursos Humanos
Para: Coordenadoria de Assuntos Sociais

Ok, aprovado. Podem solicitar os orçamentos para análise do Financeiro. Por último, porém não menos importante: o balão pula-pula. Sugiro que as bolas sejam confeccionadas com as cores do emblema da firma – verde e dourado. O que acham?

Saturday, August 05, 2006

QUEM QUISER QUE CONTE OUTRA

Num reino muito distante vivia Branca de Neve, que, já beirando os 50, entraria com uma denúncia no Procon ao constatar que não seria feliz para sempre coisíssima nenhuma, conforme prometera o estúdio de animação. Frustrada com o casamento, enganaria rotineiramente o príncipe sem maiores dramas de consciência, cada dia da semana com um anãozinho – mas sempre com camisinha. No caso, camisinhazinha.

O príncipe, ao cavalgar pelos arredores do reino enquanto era corneado, avistou um dia a casa de Prático, o mais esperto dos três porquinhos. Papo vai, papo vem e o futuro monarca convenceu o suíno a firmar sociedade com ele num frigorífico para produção de bacon sem colesterol e 0% de calorias. Mas Prático não foi esperto o suficiente para desconfiar que ele entraria com o bacon. Pensava que sua participação se restringiria à gestão estratégica do empreendimento, por conhecer a fundo o produto desde leitãozinho.

Emitido o atestado de óbito – e de burrice, o príncipe contrata o marceneiro Geppeto para fazer o caixão de Prático, cujo velório se realizaria após a missa de porco presente. Foi quando Pinóquio resolveu meter o nariz na história: “Meu faro diz que esse negócio de bacon light é muito promissor”, comentou ele com o napolitano vovozinho.

“Sou o sócio que todo empreendedor pediu ao Sebrae”, argumentou Pinóquio ao visitar o príncipe em sua fabriqueta de toucinho. “Se mentir ou tentar enganá-lo, meu nariz me denunciará”. Mais que convincente, o argumento era irresistível. Tinha à sua frente o sócio ideal: um sujeito compulsoriamente honesto!

Mas se associar empresarialmente ao príncipe não significava garantia de recursos fartos. A arrecadação de impostos no reino se resumia a umas poucas patacas, graças à inoperância da máquina administrativa. O jeito era arrumar um terceiro sócio – o capitalista. De imediato Pinóquio lembrou-se de Dona Baratinha, a que tem fita no cabelo mas jamais deixaria o dinheiro na caixinha: todos sabiam que aplicara tudo, incluindo o espólio de João Ratão, num fundo de investimento agressivo para ter lucro rápido e desbaratinar, pegando onda em Saquarema. (A título de curiosidade, João Ratão empanturrou-se até a morte com o bacon de Prático, um dos muitos pertences da substancial feijoada da Senhora Baratinha).

Ao ser consultado para aceitar a proposta, o famoso inseto da família dos blatídeos esquivou-se, alegando os planos de desbaratinamento acima citados e que já estava de malas prontas para a paradisíaca cidade fluminense. Mas indicou o Gato de Botas como parceiro no projeto, embora o felino tivesse sido um perseguidor implacável do seu amado João Ratão, nos porões de uma repartição pública.

Longe há muitos anos da burocracia estatal, o Gato de Botas andava agora de rabo preso ao jogo do bicho. Com as patas sobre a mesa do seu bunker e cofiando calmamente seus bigodes, recusou com polidez a oferta de Pinóquio e do príncipe: “O convite é tentador, mas não é zoológico abandonar nesse momento os meus negócios. Já falaram com o Shrek? Também ouvi dizer que a Cinderela, com aquela carinha de santa, tem cem mil contos de fada depositados na Suíça. Aposto que não sabiam disso, né. Um verdadeiro golpe de mestre...”

- Mestre... claro, o anão! Como não pensamos nele antes? Bem debaixo das minhas barbas! – retrucou o príncipe.

- E do meu nariz!, complementou Pinóquio. Com o trabalho nas minas, deve ter muito dinheiro guardado, o bastante para fazer do Diet Bacon um fenômeno nas gôndolas. Vamos já para o seu reino, príncipe.

Como a Lei de Murphy impera sempre, inclusive no mundo do faz-de-conta, aquele era o dia do Mestre dividir os lençóis com a insaciável Branca. Ou melhor, os maus lençóis: o príncipe e Pinóquio flagraram Branca de Neve no sofá, em sensuais preliminares com o Mestre, o Patinho Feio e a Bela Adormecida, que na ocasião parecia mais acordada que nunca.

Gritos, pancadas, tiros, golpes de espada, sangue derramado.

Até que chegou o soldadinho de chumbo, dando voz de prisão a todo mundo.

(continua qualquer dia desses)