Sunday, January 14, 2007

GAZETA DO HIPOCONDRÍACO

Confira nesta edição:

AMARELÃO É A COR DA MODA
A tendência da estação é o amarelão em vários tons, garantem os estilistas. Uma verdadeira coqueluche irá tomar as ruas.

GENTE QUE VAI DESSA PRA MELHOR
A Família Dornêles está deixando nossa cidade para fixar residência em Bom Jesus dos Remédios. E vende uma mesa de operação com 4 cadeiras de rodas, maca de casal e criado mudo (é mudo mas está em tratamento no fonoaudiólogo).

COMO FAZER FRANGO RESFRIADO
É como diz aquele velho deitado: antes frango resfriado do que gripe aviária. Na página 4, aviamos a receita dessa iguaria.

UTI FAZ PROMOÇÃO NAS DIÁRIAS
Em plena alta temporada, a UTI surpreende com uma superpromoção – diárias com pensão completa pela metade do preço. Elas incluem canja 3 x ao dia e respiração boca-a-boca de 8 em 8 horas. As crianças contam com equipe de monitores cardíacos, soro no canudinho e balão pula-pula de oxigênio.

PRÉDIO DA SECRETARIA DE SAÚDE É DECORADO COM PASTILHAS
A nova obra foi inaugurada sábado último, nos sabores menta, limão e eucalipto.

RODOVIÁRIA ESTÁ EM ESTADO TERMINAL
Permanece crítica a situação do terminal rodoviário do município. O quadro clínico, porém, encontra-se estacionado nos boxes 4, 5 8 e 17.

COLÉGIO SANTO AGOSTINHO DIVULGA BOLETIM
Segundo informações obtidas com exclusividade no setor ambulatorial, tudo indica que os enfermos, embora em recuperação, conseguirão passar de ano.

BANCO DE SANGUE ANUNCIA LUCRO RECORDE
Captação do tipo A positivo tira finalmente os glóbulos do vermelho.

ORÇAMENTO ESTÁ ENGESSADO, DIZ SECRETÁRIO DE OBRAS
Isso explica por que a administração pública não se mexe. Leia entrevista exclusiva na página 6.

ÓTIMAS OFERTAS NA FLORICULTURA TRANSPLANT
Os paisagistas farão plantão de 36 horas para atender à procura, que deverá ser grande.

GRUPO DA TERCEIRA IDADE ORGANIZA EXCURSÃO PARA A FAIXA DE GAZE
Restam poucas vagas. Garanta já o seu leito.

COMO IDENTIFICAR A FRATURA DO SEU CARTÃO DE CRÉDITO
Um seguro indicativo de que você está quebrado é a fratura do seu American Express, Dinners, Visa ou Mastercard. Veja quais são os primeiros sintomas.

HORÓSCOPO

Áries
Carneiro tem lã. Lã pode dar alergia. Alergia causa coceira e manchas na pele. Ou seja, é bom tomar cuidado.

Touro
Mesmo sendo um touro, com a saúde não se brinca. Ótimo momento para fazer um plano com ampla cobertura.

Gêmeos
Por serem dois, vocês têm o dobro de chance de contrair algum vírus ou bactéria. Para prevenir o pior, evitem ficar juntinhos o tempo todo.

Câncer
Vamos para o próximo...

Leão
O alinhamento de Júpiter com Mercúrio mostra que esta semana é propícia para rever seus hábitos carnívoros.

Virgem
Quando chegar o seu dia, lembre-se das campanhas preventivas de saúde pública e use camisinha.

Libra
Fique atento à balança da sua farmácia de manipulação. Recebemos denúncias de que há estabelecimentos comercializando fenilcloroceptrina de 250mg em cápsulas contendo apenas 230.

Escorpião
Se sua cara-metade chamar você de peçonhento, não morda. Isso só iria aumentar o veneno entre vocês, causando intoxicação.

Sagitário, Capricórnio e Aquário
Em observação e sem previsão de alta.

Peixes
Tudo bem que você vive molhado, mas não é por isso que vai abusar do sereno. Cuide-se para não morrer pela boca.

Monday, January 08, 2007

RAINDROPS

A chuva mansa e criadeira me levou em correnteza à releitura de Herman Hesse, Machado e Florbela Espanca. Às vezes em pingos fortes, açoitando minhas janelas, chegava lembrando o medo das cucas e lobisomens, sentimento adormecido desde a época em que os lobisomens e as cucas existiam aqui de fato.

Serena mas decidida, faz serviço caprichoso de empenar as madeiras, traga os barcos de papel e os de verdade, encharca por onde passa. Tinge de musgo as pedras, provoca o estrago que quer. Perseverante, dura bem mais que os dois volumes capa-dura do Machado, do meu “Sidarta” já em frangalhos e da fininha antologia da Florbela. Finda a faina literária, me faz separar as roupas em uso das que não servem, erguer castelos de cartas, deletar e-mails lidos e um mundo de outras tarefas que jamais levaria adiante se sol houvesse, por tímido que fosse.

O chumbo do céu chuvoso, convite mais que aceitável ao nada pra se fazer. Céu que me ilha e me avisa que é inútil tentar sair, tão cedo não irá ceder esse concerto de trovões. E dá-lhe água despencando.

Fechadas as portas que dão pra fora, a chuva me ordena a olhar pra dentro, para o que havia de seco e há muito pedia uma rega farta e recompensadora. Ao longo desses dias tão iguais, ela foi moldando minha carcaça no aconchego da poltrona, me trouxe de volta ao piano que há anos nem abria. E reparei naquele Mi desafinado desde nem sei quando. A chuva que também é uma nota só e que marcou novembro em Andante Cantabile, atravessou dezembro em Allegro Moderato e ao, que tudo indica, encerrará janeiro em Presto Molto Vivace.

De garoa a tempestade, a chuva me botou em posição de lótus, com a espinha ereta e o coração tranqüilo como o Walter Franco naquele disco anos 70, a Revolver fantasmas. Me deixou menos urbano e instalou narina adentro o pasto e o estrume de vaca, mais raros e intraduzíveis que o mais fino dos Chanel. A chuva tem sido tamanha que borra as letras dos livros mofando nessas estantes. Não autorizou a fazer nada do que havia planejado, mas me mostrou que as urgências não eram assim tão urgentes. Que espera é maturação, que tempo tinha de haver pra escutar sua cantilena.

Deito, durmo e sonho aos pingos, enfronhado nos torós. Enquanto os móveis de casa bóiam na enchente insana, eu vazo por todos os poros, choro água da borrasca, viro bica como tudo à minha volta.

E o barulho da chuva, que me trouxe o pesadelo, é o mesmo que me desperta. Vejo o bolor nos rejuntes e cogumelos multicores fermentando no quintal. Ela, que impacienta as crianças e apascenta os velhos. A chuva que cai sobre os recém-defuntos, coada por 7 palmos de terra. Criando adubo, abrindo poças e transbordando poços nas chácaras que se estendem pra além do alcance da vista. A chuva que não pára e que, reinando feito déspota, quer que o assunto seja ela e nada mais.

Monday, January 01, 2007

2007: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Pra começar, longe de mim querer desafinar o coro dos contentes, deixando de entoar os velhos augúrios de felicidade e harmonia, de um ano novo pleno de alegrias e sucessos aos meus leitores. Mas é preciso ser realista. Como Hardy, a Hiena, tão injustamente acusada de pessimismo por sua sábia precaução. Temos de convir que são muitos os perigos à espreita nos próximos 12 meses, a começar pelos tradicionais rega-bofes e outros ritos de virada de ano, marcados pelas simpatias e superstições.

Longe de mim querer assustá-lo, mas pode ser que as 3 sementinhas de romã que você guardou na carteira já tenham ido pro chão logo no primeiro dia do ano, quando você sacou aquela notinha de 1 real para dar ao garoto que te acordou às 6 da manhã pedindo “bom princípio”, lembra? Pois é, os carocinhos a uma hora dessas devem estar em algum bueiro – o que no mínimo é um péssimo presságio.

Há quem prefira guardar uma nota de dólar e atravessar o ano com ela pra cima e pra baixo. Se for o seu caso, livre-se do mico enquanto é tempo, antes que a cotação despenque ainda mais. Fora que dá azar - vide o caso do assessor do irmão do José Genoíno. Guardou um monte na cueca, e olha só no que deu. Desista, não vale a pena.

Como não poderia deixar de ser, no fim de 2006 você ganhou uma agenda linda. Todo animado, você preencheu seus dados até com o tipo sangüíneo e colocou nas primeiras páginas as fabulosas resoluções para 2007 – perder peso, pedir a conta, parar de fumar, abrir negócio, conhecer a Austrália e por aí vai. Longe de mim querer desanimá-lo, mas até março ela já terá virado caderno de receitas da sua esposa.

Agora é tarde, mas ao invés das pândegas, bailes, bebedeiras e buzinaços do réveillon você deveria ter preferido o aconchego do lar. Longe de mim querer repreendê-lo, mas um bom escalda-pés, seguido de amistoso e aconchegante par de pantufas, não teria sido muito melhor que acordar não sei aonde e perguntar pra não sei quem sobre não sei quê?

Acima de qualquer coisa, no ano novo se deseja paz. Longe de mim querer ser chato, mas nada é mais incompatível com ela que os ensurdecedores rojões, bombinhas, traques e congêneres espocados à meia-noite. Somos massageados por mensagens profundas e tocantes falando de busca da essência interior, de encontro do eu verdadeiro, de preces pelo entendimento entre os homens. E o que se vê (e se ouve) é uma Sarajevo em cada esquina. E em cada esquina, hordas de gente de branco. Parece assembléia do sindicato dos enfermeiros ou simpósio de pai-de-santo.

Crendice das mais arraigadas para os praianos da gema e veranistas de ocasião é aquela história de pular 7 ondas e fazer 7 pedidos. Longe de mim querer me meter, mas o 7 deveria ser evitado por ser um número cabalístico. Você poderia pular 6 ondas, embora digam que esse é o número do cão-danado. Pulando só 5, os desejos poderiam não se realizar direito, vai saber. Por via das dúvidas, o melhor seria ter pulado 8, que são os 7 regulamentares e mais 1 de lambuja. Sim, porque 2007 tem que ter fartura. E longe de mim deixar de desejar isso pra você.